segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O papel de Portugal nos primórdios da utilização do ar e do mar




Com o fim do conflito ocorrido entre 1914 e 1918, assiste-se ao início da corrida pela conquista dos continentes pela via aérea, representando Portugal, pela sua posição geográfica a porta de entrada e de saída para muitos desses enormes desafios.

Em 27 de maio de 1919, um hidroavião Curtiss NC-4 da aviação naval norte- americana, chegou à barra do Tejo. Com uma tripulação composta pelo tenente Read e Breese, pelos 2ºs tenentes Stone e Hinton, acompanhados pelo mecânico Rhoads e radiotelegrafista Rodd, o NC-4, foi o único dos três aparelhos a conseguir ligar pelo ar os territórios americanos e europeus.

Saídos os três hidros de Rocawey (Baía de Trespassey), no dia 16 de maio pelas 22 horas, unicamente dois chegaram a território português, na ocasião à baía da cidade da Horta, onde o NC-3 ficou retido para revisão. O NC-4 iniciou a viagem para Ponta Delgada, tendo ali ficado imobilizado pelas más condições atmosféricas. Somente no dia 27 pelas 10 horas (locais) iniciou o voo de 12 horas que o trouxe até Lisboa.

Em 30 de maio, partiu o NC-4 e sua tripulação para Inglaterra, não sem que antes tivesse tido necessidade de amarar na Figueira da Foz.

Este feito, grandioso para a época, e ao qual Portugal ficou ligado indelevelmente, terá certamente acicatado o ânimo de quem aqui pensava em outros voos.

É disso exemplo a ligação de amizade e companheirismo entre o capitão de mar e guerra Gago Coutinho e o comandante Artur de Sacadura Cabral, que alicerçada entre outras coisas, no desejo de dar asas às asas, se traduzia à época na procura de soluções que pudessem responder ao grande desafio de ligar pelo ar Portugal e o Brasil.

É assim que em 17 de maio de 1920, duas tripulações comandadas por Sacadura Cabral, iniciam em Calshot-Southampton (Inglaterra) um voo para o transporte de dois hidroaviões novos Felixtowe F-3.

Com escala em Brest e Ferrol e amaragem em Lisboa no dia 19, os dois hidros, para além de ligarem pela primeira vez a Inglaterra a Portugal, permitiram no estudo da sua utilização o voo efectuado em 1921 entre Lisboa e o Funchal, precisamente com um dos aparelhos agora utilizados.

No entretanto, um avião Bréguet 14 A/2, tripulado por Brito Pais e Sarmento de Beires, tentou sem êxito alcançar a Ilha da Madeira. Não porque não tivesse conseguido chegar aquela ilha, mas porque o espesso nevoeiro que encontraram e o facto de se tratar de um avião de rodas, os impediram de tentar a aterragem.

Rezam as observações recolhidas, que pelas 16 horas do dia 18 de outubro de 1920, foi ouvido pela população do Funchal o roncar de um motor, sem que no entanto o nevoeiro permitisse vislumbrar o avião.

Sem outra solução, viram-se os dois pilotos obrigados a voltar para trás, com a consciência que nunca voltariam a Lisboa pelo ar, restando que no percurso pudessem amarar junto de algum barco que sobrevoassem.

Foi assim, que a sorte lhes sorriu e puderam amarar, o avião com rodas, junto do cargueiro inglês “Gambia River”, que os trouxe sãos e salvos até à costa portuguesa.

A 22 de março de 1921, um Felixtowe F-3, tripulado Por Sacadura Cabral, Ortins Bettencourt (2º piloto), Gago Coutinho como navegador e o francês Roger Soubiran como mecânico, descolou do Tejo em Belém pelas 10h e 25 minutos, tendo chegado ao Funchal cerca das 16h e 45 minutos após mais de 7 horas de voo e um trajecto percorrido de 983 quilómetros.
A qualidade do voo, a precisão magnífica com que o mesmo se desenrolou, muito se deveu à cuidada navegação levada a cabo por Gago Coutinho, com a utilização do sextante por ele desenvolvido.

Tudo se encaixava para que o grande desafio de ligar Portugal ao Brasil, por via aérea, pudesse ter o seu culminar.

E assim aconteceu, em 30 de março de 1922. Nessa data descolaram do Tejo a bordo de Hidroavião monomotor Fairey F III-D, Sacadura Cabral e Gago Coutinho.

A primeira escala, após um voo de 8 horas e meia, deu-se no porto de La Luz em Las Palmas. Dadas as más condições atmosféricas, somente no dia 5 de Abril, partiram para Cabo Verde, onde amararam após 10 horas e 48 minutos de voo.

Seguia-se a parte mais difícil da viagem, o percurso entre Cabo Verde e os Penedos de S. Pedro e S. Paulo, minúsculos penhascos na imensidão do Oceano Atlântico, mas que dada a capacidade do hidroavião constituíam o limite para essa escala de voo. Ali, encontrava-se o cruzador “República” para lhes dar assistência. Infelizmente o estado do mar, acabou por provocar o afundamento do hidroavião, à vista do vaso de guerra e no culminar de um voo, de uma inolvidável precisão e coragem. Foram voados 1.700 quilómetros em 11 horas e 21 minutos, com o objectivo de encontrar no meio do oceano umas fragas de 200 metros de extensão por 15 de altura. Esta precisão só foi possível pelos métodos utilizados, nomeadamente o sextante desenvolvido por Gago Coutinho.

Enviado para o local, um novo hidroavião o “Portugal”, foi o voo reiniciado em 11 de maio, infelizmente em condições que levaram a uma amaragem de emergência e á perda do hidro, não sem que a tripulação tivesse estado 9 horas a viver como náufragos até serem salvos pelo cargueiro inglês “Paris City”.

Em 5 de junho, a bordo do navio Carvalho Araújo, chegou um novo hidroavião Fairey 17 baptizado de “Santa Cruz”.

Seguiu-se um voo de 4 horas e meia até ao Recife. Depois Baía, Porto Seguro, Vitória e finalmente o Rio de Janeiro onde chegam a 17 de junho de 1922.

Das viagens efectuadas por aviadores portugueses, na década de 20 do século XX, destacam-se a ligação de Vila Nova de Mil Fontes a Macau, iniciada em 7 de abril de 1924 e terminada a 20 de junho de 1924. Tripulado pelos pilotos Sarmento Beires e Brito Pais e pelo mecânico Manuel Gouveia, o voo iniciou-se com um Breguet X 14-BN 2, que os transportou até Jodpur na Indía, local onde o “Pátria”, assim foi denominado o Breguet, acabou os seus dias. A 29 de maio, com a aquisição de um novo avião, um De Havilland Liberty, denominado “Pátria II” reiniciou-se a viagem que terminou, não em Macau,na altura assolada por um violento tufão, mas sim a 25 quilómetros de Shum-Chum, perto de Hong-Kong.

Foram percorridos 16.280 quilómetros com 22 escalas e 115 horas e 45 minutos de voo.

Mas não ficaram por aí as grandes viagens dos navegadores portugueses do século XX.

Pensada para ser a primeira viagem aérea à volta do mundo, uma equipa constituída por Sarmento Beires, Alfredo Dovalle de Portugal, Jorge Castilho e Manuel Gouveia, saiem do Tejo, no dia 2 de março de 1927, a bordo do hidroavião Dornier Wall, denominado “Argos.

Após uma primeira etapa que os conduziu a Bolama (Guiné) onde chegaram no dia 6, após duas escalas no percurso, prepararam-se para em voo nocturno alcançar o Brasil. Rodeados de peripécias várias, associadas às condições meteorológicas e mecânicas, acabaram por ter de reduzir o número de tripulantes, dado o excessivo consumo de combustível do aparelho. Coube a Dovalle Portugal o sacrifício de não acompanhar os camaradas.

Na noite de 16 para 17 de março, o “Argos” ergueu-se dos mares da Guiné a caminho da Ilha de Fernando de Noronha, onde chegou após 18 horas e 12 minutos de um voo, onde mais uma vez o sextante desenvolvido por Gago Coutinho, marcou a exactidão do rumo.

Da ilha de Fernando de Noronha, partiram para o natal, depois Recife e a Baía, por fim o Rio de Janeiro, depois de percorrerem 9025 quilómetros em 58 horas e 5 minutos de voo.

Infelizmente ficou por pouco mais esta aventura. Depois de terem decidido regressar a Portugal, através do Atlântico Norte, via Terra Nova e Açores, o “Argus” acabou por naufragar ao largo da Costa Americana, tendo sido milagrosamente salvos os seus tripulantes.

Outros voos se seguiram, quase todos associados a ambientes terrestres, África e Ásia, pelo que não os vamos referenciar, permitindo-me no entanto terminar com o voo em formação de três hidroaviões Junkers K-43 W, que entre 30 de junho e 31 de julho de 1935, ligaram Lisboa – Funchal - Ponta Delgada – Horta - Ponta Delgada – Funchal - Porto Santo - Lisboa.

A missão foi comandada pelo 1º tenente António Gomes Namorado, acompanhado por Ferreira da Silva, Aires de Sousa, Carlos Sanches, Bernardino Nogueira, Correia Matoso, G. Brandão, Falcoeira e Nascimento.
Créditos:EMFA-arquivo fotográfico e histórico;arquivo fotográfico CML, diversos "blogues" e "sites"

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